Tratado do Purgatório de Santa Catarina de Gênova: Parte 5
O amor de Deus que atrai a si as almas santas e o impedimento que essas encontram no pecado, gera a pena do purgatório. Considero que há tão grande conformidade entre Deus e a alma, que quando a alma vê Deus naquela pureza em que a criara, a atrai de certo modo a si com tão ardente amor que bastaria para aniquilá-la se não fosse imortal. E faz a alma estar transformada tanto em seu Deus, que já não vê ser outra coisa senão Deus; o qual continuamente a vai atraindo e incendiando, não abandonando-a jamais, até havê-la conduzido a aquele ser seu de onde saiu; isto é aquela pura nitidez em que foi criada. Quando a alma, vendo-se a si mesma interiormente, se sente assim atraída com tão amoroso fogo para Deus, então por aquele calor mesmo do amor ardente a seu doce Senhor e Deus, que percebe em seu entendimento, toda ela se sente como se liquidar e fundir. E vendo depois a luz divina; e vendo nela como Deus não cessa nunca de atraí-la e conduzi-la amorosamente à inteireza de sua perfeição, com tanta e tão contínua previsão e cuidado; e que isto só por puro amor o faz; e vendo-se a alma pelo impedimento do pecado entorpecida para seguir aquela atração de Deus, aquela meta unitiva que Deus lhe oferece para atraí-la a si; e vendo também quanto lhe significa o estar, todavia, tão atrasada que não pode ver a luz divina, mostrando a ele aquele outro instinto da alma que quisera ser livre e sem impedimento algum para seguir aquela busca unitiva de Deus: digo, que o ver todas essas coisas juntas é o que gera nas almas a pena que sofrem no purgatório. E não é só isto a dizer que sinta sobre toda aquela pena que padecem por isso (ainda sendo, como é, grandíssima), porque o que sentem mais todavia é a oposição em que ainda se encontram contra a vontade de Deus, a qual veem já tão claramente inflamado de um forte e puro amor para elas. E este amor, com aquela meta unitiva que disse, age de maneira tão forte e tão contínua nas almas que parece como se não tivesse que fazer outra coisa mais que isso. Por isso a alma, vendo isto, se encontrasse outro purgatório mais terrível para poder arrancar de si de maneira mais rápida esse impedimento, em seguida se atiraria nele, movida pelo ímpeto daquele amor tão consequente entre Deus e a alma. Como Deus purifica as almas. Exemplo do ouro no crisol. Vejo também que procede daquele amor divino em direção a alma certos raios e centelhas de fogo tão penetrantes e tão fortes que parece que deviam aniquilar não somente o corpo, mas a alma mesma, se isto fosse possível. Estes raios têm dois efeitos: um, o de purificar; o outro, o de aniquilar ou consumir. Veja o ouro: quanto mais o fundes melhor se torna; e tanto se poderia fundir que se aniquilaria nele toda a impureza. Este efeito tem o fogo em todas as coisas naturais; mas a alma, como não se pode aniquilar e consumir em Deus, se aniquila e consome em si mesma; e quanto mais se purifica, tanto mais em si mesma se consome e aniquila para unir-se a Deus totalmente purificada. O ouro, quando se purifica até vinte e quatro quilates, não se consome mais, por mais fogo que se ponha nele, porque não pode consumir-se senão o que nele é imperfeição ou escória. Assim também faz o fogo divino com a alma. Deus mantém o fogo até que se consuma nela toda imperfeição e a conduza à perfeição dos vinte e quatro quilates (a cada alma, naturalmente, segundo o seu grau). E quando a alma já está purificada deste modo, fica toda ela em Deus sem conservar nenhuma coisa em si que seja propriamente sua. Seu ser é Deus. Por isto, quando Deus está conduzindo a alma a si, purificada desse modo, fica a alma, então, impassível, porque não fica nada nela a ser consumido. Pois, se purificada como está, se mantivesse no fogo, este fogo não lhe causaria pena alguma; antes, bem lhe seria um fogo de amor divino, durável como de vida eterna, sem dano algum nem alguma contrariedade.
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