Tratado do Purgatório de Santa Catarina de Gênova: Parte 8 (final)

Tratado do Purgatório

Sofrimento espontâneo e alegre das almas purgantes.

Eu vejo que aquelas almas que estão no purgatório, estão em vista de duas operações distintas. A primeira é que padecem voluntariamente aquelas penas, parecendo-lhes ver que Deus teve para com elas grande misericórdia, pois assim é em consideração daquelas outras que mereceram, conhecendo a importância do pecado aos olhos de Deus. Porque se a sua bondade não temperasse a justiça com a misericórdia (satisfazendo-a com o precioso Sangue de Jesus Cristo), um só pecado mereceria mil infernos perpétuos.

Por isso essas almas padecem aquela pena tão voluntariamente que não queriam livrar-se dela nem em um momento, sabendo que é justíssimamente merecida, e bem ordenada que está, porque sua vontade se refere, não se queixam de Deus, sentindo-se como se estivesse na vida eterna.

A outra operação que eu dizia é aquele contentamento que sentem vendo a perfeita ordenação de Deus que com tanto amor e misericórdia opera com as almas.

Estes dois pontos de vista em um só instante os imprime Deus naquelas mentes, que como estão em graça, a entendem e compreendem assim, cada uma segundo a sua capacidade. E isto é que lhes dá tanto contentamento e alegria; o qual nunca lhes falta, mas vai crescendo cada vez mais conforme se vão aproximando de Deus.

Mas as almas não veem tudo isto em si mesmas, nem por si próprias, senão em Deus, no qual estão muito mais inteiradas ou adentradas que naquelas penas que padecem; pois deste entendimento divino fazem sua preferência com poder comparar com nada. Já que por pouca vista que se chegue a gozo que o homem nem sequer pode compreender; sem que isto queira dizer que este excesso reste na alma nenhuma centelha do gozo ou da pena.


A santa conclui a sua doutrina sobre as almas do purgatório, fazendo-lhes aplicação do que ela experimenta em sua alma.

Esta forma purgativa que eu vejo nas almas do purgatório, a sinto também em mim mesma, em meu entendimento; sobretudo, a contar desde uns dois anos. E cada dia que passa o sinto e vejo com maior claridade.

Vejo que a minha alma está em meu corpo como no purgatório, tão conforme e semelhante ao verdadeiro purgatório como pode ser na medida em que o corpo podia suportar sem morrer, padecer, que pouco a pouco, vira a chegar até a mote.

Vejo o meu espírito afastar-se de todas as coisas, inclusive aquelas espirituais com as que pudesse nutrir-se e reconfortar-se melhor: como lhe sucederia com a alegria, com a deleitação ou consolação, vejo, não obstante, que vai perdendo de tal modo o gosto de todas as coisas, sejam temporais ou espirituais, e que o sejam pela vontade, pelo entendimento ou a memória, que não posso dizer sequer que me contente de uma coisa mais que de outra.

Encontra-se assim meu ânimo interiormente tão assediado que, de todas aquelas coisas que refrigeram a vida espiritual ou corporal, se sente pouco a pouco e completamente vazio. Mas depois que as perdeu é quando conhece que eram coisas com as que pude aparentar-se e confortar-se, e, contudo, sucede que, ao mesmo tempo em que aborrece tanto que as deixa perder sem nenhum reparo.

E isto é assim porque o espírito tem aquele instinto de elevar-se sobre toda coisa impeditiva de sua perfeição, e com tanta crueldade manifesta, que quase chegaria a jogar-se no inferno para atingir seu desejo. E, por isso vai cortando de si todas aquelas coisas de que o homem interior se apacenta e conforma; e o assedia tão sutilmente com isto que não pode deixar passar sequer um mínimo de imperfeição que não seja ao ponto de aborrecê-la.

Enquanto se refere ao exterior, como o espírito não lhe corresponde nem sustenta, se acha o corpo todavia mais assediado, pois não encontra coisa sobre a terra que possa confortar-lhe em seu instinto humano.

Não lhe fica mais consolo que Deus, o qual, se opera tudo isto com tanto amor e com tão grande misericórdia, o faz para a satisfação de sua justiça.

O considerar tudo isto dá a alma grande paz e contentamento, sem que isto diminua por isso a pena nem o assédio; ainda que tampouco lhe possa aumentar tanto a pena como para que chegasse a alma a querer sair daquela ordenação divina.

Não sai a alma dessa prisão, nem tampouco o quer, nem tenta, tal que espera nela e que Deus faz todo aquilo que seja necessário. Mas contentamento está em que Deus esteja satisfeito e não caberia maior pena para mim que a de sair da ordenação divina, que vejo tão justa e plena de misericórdia.

Todas essas coisas que digo, as vejo e as toco; mas não posso encontrar palavras suficientes para expressá-las; para dizer com elas tudo o que quero.

Mas o que disse é o que sinto que há dentro de mim espiritualmente; e por isso o digo.

A prisão que parece que me encontro é o mundo, ao que o corpo me acorrenta. E a alma iluminada pela graça, é a que ao reconhecer a importância de encontrar-se assim retida ou atrasada por este impedimento para conseguir seu fim próprio em Deus, sofre com isso tanta pena, que sofre assim por causa, de sua própria delicadeza.

É que a alma também recebe de Deus, por graça, certa dignidade que a faz semelhante a Deus; pois assim é como Deus a faz consigo uma mesma coisa: por participação de sua bondade. E como é impossível que a Deus lhe suceda alguma pena, assim lhe sucede às almas quando a Ele se aproximam; e quanto mais se aproxima, tanto mais recebem e participam desta propriedade divina.

Por isso o retardamento em que se encontra causa a alma tão intolerável pena; porque a pena e o atraso a separam daquela propriedade que ela tem; que é a de sua própria natureza e que pela graça lhe é mostrada: pois o não poder alcançar a Deus sentindo-se capaz para Ele, lhe dá esta pena, que é tão grande como é sua estima mesma de Deus, já que esta estima é tanto maior quanto mais o conhece, e tanto mais consegue conhecê-lo quanto mais se acha sem pecado; pois o entendimento resulta, e então, mais terrível, ao recolher-se a alma em Deus que sem impedimento algum de erro conhece.

Do mesmo modo que o homem que prefere morrer do que ofender a Deus sente a morte e lhe causa sofrimento, mas a luz de Deus o incendeia de modo que chega a estimar mais aquela hora divina que a sua morte corporal, assim a alma, ao conhecer a ordenação divina, estima mais aquela ordenação que todos os tormentos interiores ou exteriores por terríveis que possam ser-lhe: e isto simplesmente porque Deus, que é o que faz tudo isso, excede a tudo o que se possa sentir ou imaginar.

E acontece que como Deus, por pouco que dê à alma, a ocupa tão por inteiro de si que já de outra coisa não pode preocupar-se sequer, com isto a alma perde toda outra propriedade sua, e já não vê nem fala, nem conhece dano nem pena que possam ser-lhes próprios. Pois tudo isto como foi dito, a alma o compreende no último momento, em um só instante, ao deixar esta vida.

Finalmente, e por conclusão, entendemos que Deus o faz perder ao homem tudo aquilo que só era seu pelo pecado e que o purgatório o purifica.

Extraído do livro O Purgatório – o que a Igreja ensina, do Prof. Felipe Aquino, 7ª edição. – Lorena: Editora Cléofas, 2010.

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